domingo, 19 de dezembro de 2010

Drogas + Morte + Tóquio + Paz De La Huerta: Enter The Void



Enter The Void é o novo filme de Gaspar Noé (Irreversível). Na verdade, o filme foi exibido em diversos festivais em 2009, mas só agora foi lançado comercialmente. Julgar o filme pelas controvérsias ou as reações de alguns críticos - "misógino"," insuportável", disseram alguns- seria diminuir toda a experiência. Noé recebeu as mesmas críticas por Irreversível. Eu diria que ele paga o preço por tentar realizar obras pungentes num mundo que se encanta por Avatar ou qualquer outra franquia limpinha de Hollywood.

A estória se passa em Tóquio. Se essa informação te fez lembrar de Lost In Translation, bem, a Tóquio de Enter The Void é mais hardcore e crua. As luzes, becos e prédios parecem mais como uma dimensão assustadora de frieza cosmopolita do que um cenário onírico. Oscar (Nathaniel Brown) e Linda (Paz De La Huerta) são irmãos. Enquanto Oscar vive traficando drogas, Linda é uma stripper num clube privado. A narrativa é contada sob a perspectiva de Oscar: a câmera acompanha seus movimentos, e o espectador enxerga através desses olhos.

Aqui começa o truque de Gaspar Noé: quando Oscar consome DMT (substância química presente na Ayahuasca), suas viagens alucinógenas são transmitidas "de dentro pra fora", e o uso de imagens e sons buscam reproduzir uma experiência química. Logo o destino de Oscar acaba sendo a morte por policiais: essa é a segunda parte do truque: continuamos a acompanhar o que seria o espírito do personagem, vagando pelo mundo físico.

Após essa premissa, somos levados a contemplar melhor a perspectiva: entre flashes do passado, compreendemos o caminho das personagens, e as relações entre os fatos. Imagine isso não como uma narrativa digressiva linear, mas como uma viagem através de eventos humanos: o nascimento, a infância, os traumas, intercalados com eventos presentes. Seguindo a descrição do pós-morte tibetano, a alma de Oscar, lutando para continuar ligada ao plano conhecido, sofre com a noção abstrata de cronologia e pertencimento.

Gaspar usa elementos visuais vertiginosos, mas a grande qualidade aqui, assim como em Irreversível, é o caminho tortuoso, visceral de se contar uma estória. O roteiro seria quase uma redundância ao relatar o lado selvagem de personagens urbanos, blábláblá, mas na visão de Noé é uma oportunidade de oferecer algo diferente ao expectador. Para aqueles que acharam o filme "vazio", uma recomendação: tente algo mais afável e unidimensional nessa área vida- após- a morte. Ghost, por exemplo. Enter The Void fragmenta a construção do enredo, das personagens, mas não os torna pequenos. São perfeitamente reconhecíveis, e o mais belo disso tudo é que não há condução maniqueísta. Apenas imagens, sensações, pedaços de vida espalhados por visões, sons e cores dissonantes. Fora que certas questões levantadas aqui perturbam os conservadores: a relação entre experiências com drogas alucinógenas e espiritualidade; ou a percepção de dimensões maiores do que bem e mal, céu e inferno.

Pra resumir, se ainda não estiver convencido: Enter The Void é cativante, provocativo, bacanudo, veloz e tem a Paz De La Huerta. Em uma palavra, FODA.

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