quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Don L está expandindo o jogo



O melhor momento de um artista é quando seu trabalho está em expansão. Não é a reinvenção ou o amadurecimento, processos comumente discutidos. Mas o que seria a expansão? Equilibrar características e distribuí-las de maneira mais ordenada é talvez o tal do amadurecimento. Implodir conceitos e executar uma estética diferente seria a reinvenção.  A expansão é quando o corpo da obra, sem perder suas características, incorpora elementos, sua execução contempla incursões reordenadas e o tecido se torna mais elástico. É algo complexo, e não tão comum. É o navio de Teseu, trocando peças enquanto navega, sem desembarcar seus passageiros. Porém aqui ele está construindo novas acomodações concomitantemente, ao invés de apenas mudar o material.

Don L está expandindo seu jogo. Desde que o Costa a Costa lançou aquela mixtape, o cenário do rapper está em constante expansão. A miríade de referências em Dinheiro, Sexo, Drogas...é forte e corajosa. Em que pese o fato de a criação daquele disco ser um esforço conjunto, e não individual do Don L, a segurança e autoafirmação do rapper se sobressaía. O desenho de imagens ensolaradas e divergentes, das sombras e dificuldades, do submundo e do dinheiro (ou falta dele), das audácias e das paixões é decidido, forte e voraz. Rápido, como um soco. 

"O problema é seu/o mundo é nosso/Então o que nós vai fazer sócio"

O período seguinte, de canções como “Êxodo e Êxito” e"Pra Mandar se Fuder", é uma ponte para o que viria a seguir. Demonstra a expectativa de mudança, a ânsia por coisas maiores. É um momento de preparação, um olhar de soslaio para trás sem perder o horizonte. É a "crise da meia idade aos 25"

"E ouvindo os irmãos dizer: 'Don,cê tem que sair do gueto do gueto/é o sul onde vira algum money, nego'/eu sou mais um nordestino em êxodo e exito/vai assistindo o êxito

O Don L de Caro Vapor é mais incisivo, mais cortante, porém harmonioso, estável. Trabalhando nas mesmas estradas de luz e escuridão, de essência e entusiasmo confrontados com uma perspectiva deprimente, a obra aqui já estabelece um conceito expansivo: das batidas à levada, e principalmente nas letras, o rapper já acumula milhas na vida, e sem deixar de ser aquele que capitaneou o Costa a Costa ao status cultuado, entrega exatamente a medida das dores e das ambições. É um trabalho em que as opções estéticas estão claras, mas, mais do que isso, é o artista se aprofundando em si mesmo, procurando incorporar tudo o que vê, sente e deseja, sem prejuízo de seu arsenal de opções. 

"Pronto pra morrer, eu tava na ativa/Eu sei, deveria dar valor à vida"

"Um pouco de mim em cada dose/um trago de vida/ um trago de morte"

Duas canções recentes de Don L surgiram na rede: O freestyle em cima de “Minha Lei”, da Karol Conká e “Verso Livre N.1 – Giramundo”. Aqui entra mais um capítulo dessa história. Mesmo que sejam pedaços avulsos, sem o invólucro de algo esteticamente definido, são exemplos de mais um passo expansivo dentro do escopo do cearense. Já estabelecido em São Paulo, é possível enxergar que o impacto que a capital paulista dá em seus novos moradores já está imersa na obra. Além disso, o arcabouço de rimas do MC parece cada vez mais rico, entrecortado e dinâmico. Mesmo trabalhando em verso livre, há uma estrutura visível, sem arestas, como um corte fino e elegante.  É certo que ao evoluir sua própria obra, Don L propõe aos demais que o alcancem, ou superem.

"Eu marcho na estrada corrompida/pra terra prometida/Onde as guerras são antigas canções/lições de vida"

O paradoxo do navio de Teseu trabalha questões de identidade. Se as peças de madeira da embarcação foram trocadas por alumínio no trajeto, quando chega ao destino o navio é o mesmo que partiu? Por aqui, Don L segue construindo uma embarcação mais complexa enquanto navega, e com a identidade preservada.


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